7 de dezembro de 2009

Rua do Carmo, nº 17 (parte II)

Só para contrariar a vontade das histórias que são escritas para não serem lidas, foi lida. E foi lida justamente pela pessoa que a protagonizava, também para contrariar a vontade das histórias reais que são escritas com vontade de ser ficção. Cabral, o simpático dono do Sebo mencionado neste post, adivinhou a realidade da minha história. Não costumo escrever em primeira pessoa, justamente para me afastar do que digo, mas esse incidente fez com que eu me rendesse ao comprometimento.

João Cabral Pimenta, personagem de que me apropriei, descobriu, tal qual a figura histórica homônima, a minha história. Ela foi escrita depois de uma viagem a Bahia, no ano passado, por um acaso, assim como eu por acaso a escrevi. Escrevi para marcar os momentos bons que vivi; para relembrar a sensação que tive nas poucas horas em que estive lá e conversei com aquelas pessoas. Cabral-bonachão e doce-Vivi.

O reencontro começou num comentário, misto de surpresa e indignação de Cabral, que me escreveu se defendendo da caracterização que dei a ele: “não sou tão velho como você disse, talvez semi-novo”, disse ele, num recado datado de 8 de março deste ano. Eu, sempre desajeitada, esqueci de avisá-lo do teor da minha história. Ela deveria vir etiquetada, como que alarmando: “esta é uma história real, mas tem alguns detalhes pendurados entre a realidade e a ficção – o que também costumam chamar de imaginação”. Desde então, trocamos e-mails que tentam ignorar a geografia. Eu dizendo que tenho saudades da Bahia, Cabral simplificando tudo me descrevendo o céu azul que faz lá. Eu me lamentando por não ter muitas fotos da loja, Cabral respondendo prontamente com quatro ou cinco fotos que remediam minha nostalgia - como essa, que ilustra este post. São e-mails carinhosos, que mantém o único contato que poderiam ter duas pessoas de Estados diferentes: bendita tecnologia! Pensando bem, parece até irônico, já que Cabral é dono de uma loja que se mantém por nostalgias: dá preço às velharias, perpetua pedacinhos de passado.

Bom saber que eles continuam lá, e que o lugar significa, dia após dia, a possibilidade de que outra pessoa saia dele fascinada, como eu saí. Fascinada não pelo fato de que aquelas quatro paredes desafiam as leis da Física ao tentar fazer caber o mundo dentro de um espaço muito pequeno; nem porque ele vende raridades e artigos inusitados; tampouco porque ele contraria a lógica econômica ao vender preciosidades a preço de banana, mas pela tranqüilidade que paira ali, quietinha, entre quinquilharias e muito pó. Concordando com Eduardo Galeano, as lembranças que me assaltaram nesse reencontro, ainda que virtual, com Cabral, me convenceram de que recordar é mesmo “tornar a passar pelo coração”. A Cabral e Vivi, deixo um enorme beijo e a promessa de um reencontro que, ao contrário da minha história, tem toda a pretensão de ser de verdade.

Foto: uma das relíquias da loja: caixa de fotos 3x4 perdidas. créditos: Cabral

Um comentário:

Por Afonso Bezerra disse...

Sou fascinado por escrever e os seus textos me marcaram. Alguns amigos aqui de Recife dizem que sou besta para vibrar com coisas simples. Mas, não! Acho isso uma qualidade, uma virtude das boas. E nesse domingo chuvoso de Recife, uma coisa que me fez vibrar muito foi o seu texto. Sorri, falei muito "Porra, que massa". Vou acompanhar sempre seu blog agora.

Muito bom!