29 de abril de 2006

Vizinhos

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Estava parada na esquina, esperando um amigo para o teatro. Um calor extremo como tinha sido a semana toda, e eu não pude evitar de sair de casa com alguma coisa que não fosse uma saia relativamente curta. Encostei na parede, enquanto esperava. Já estava escuro, e a árvore grande que beirava a calçada tornava a minha presença alí na esquina ainda mais suspeita para os vizinhos. As pessoas são estranhas, de um modo geral, mas se elas pudessem ser divididas por classes, a que mais me intrigaria é a dos vizinhos: eles vivem debruçados em suas janelas, com suas caras de exclamação, aspirantes por qualquer rastro de novidade; aí, você, por pura ironia, passa por eles e diz olá (afinal, boa noite é muito formal pra você, e e aí, beleza? inadequado ao momento) - eles mal respondem ao seu simpático e amarelo oi, agem como se mal te conhecessem, embora saibam todos seus horários, compromissos, companhias. Que seja, o fato é que eu estava parada na esquina, sendo vítima de olhares especuladores, de quem estava tentando entender o que eu fazia alí, já imaginando que eu pudesse ter arranjado um emprego noturno, ou que tivesse sido expulsa de casa. O mais mórbido e assustador é que eu tenho algum tipo de radar pra esses tipos de pessoas, e ainda ajudo a alimentar suas falsas expectativas ao meu respeito. Adoro causar impressões de mentira, do tipo dessas que a pessoas perdem um tempo considerável criando histórias pra sua vida, e dizendo coisas do tipo: - Olha só se pode, uma mocinha tão novinha já perdida na vida. O que faz fora de casa a essa hora? Onde estão os pais dessa menina? Aposto que são uns irresponsáveis... - Aí em algum momento você desfaz a pose que estava fazendo de propósito, e a pessoa vê que perdeu 15 minutos criando um roteiro pra vida alheia, e que esses 15 minutos nunca mais vão voltar: a novela já está quase acabando, a comida já está fria, e não se tem mais ninguém para bisbilhotar na frente da janela. Meu amigo chega, eu atravesso a rua e dou uma última olhada para minha querida roteirista. Não foi dessa vez, vizinha.

26 de abril de 2006

Acomodando idéias