1 de junho de 2009

da série "Pormenores urbanos".

Murais sempre me surpreendem, ainda que só olhe para eles como quem quer descansar os olhos da função maçante de olhar apenas para frente: a velha tirania do “olhe para frente de cabeça erguida”. Olho para o lado apenas, e encontro um mundo de possibilidades a me tentarem. Um mural, qualquer que seja, é uma grande via de sedução com conotação quase sexual. Diferentes papéis, fontes e cores se estapeiam por um minuto do olhar dos transeuntes, numa luta que, bem sabemos, só será ganha quando alguém se render aos encantos de algum aviso e parar para analisá-lo longamente. Os cartazes grifados a cores gritantes, os post-it desperdiçados à exaustão, a disputa muda pelo mais atrativo comunicado, pelo canto superior esquerdo, pela cola invencível ou por uma taxinha minimamente eficaz. Os murais são dóceis, aceitam qualquer coisa que se queira colocar. O pedido misericordioso de uma mãe que perdeu o filho, um aviso de liquidação de móveis velhos, a mudança de data do próximo encontro dos Alcoólicos Anônimos, profecias sobre a volta de Jesus Cristo e até mesmo o aviso de que, cordialmente e em letras garrafais, “troca-se um fogão velho por uma bola de capotão” (mural na moradia da Unicamp, 2006).

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