22 de julho de 2007

Imaginação, imagine ação.


- Da percepção e outras coisas que só se vê quando se olha pra dentro.
Poluição. De monóxido de carbono, de multidões e de pensamentos.
Não havia um canto sequer ileso da má conduta do ser humano, e nada que fosse fitado naquele momento seria completamente limpo. À parte isso, as pessoas pareciam não se importar com o acúmulo de descaso nas esquinas e desfilavam pelas calçadas prestando atenção em seu próprio umbigo. Despreocupação desvairada, desprovida de qualquer humanidade. As ruas se cruzavam, mas as pessoas, não. Nada estava interligado. Uma esquina era totalmente alheia à outra. O poste mijado por bêbados cambaleantes era totalmente alheio ao outro poste enfeitado por grafites e mosaicos. Era cada esquina por si, cada poste por si, cada um por si, e as putas do Parque paqueravam tranqüilas enquanto o menino comia pipoca. Constatação inusitada, que me valeu alguns minutos de estranheza. Mas sentia-me bem apenas por notar a grandiosiodade que parecem ter as coisas quando ainda são inéditas. Depois vai diminuindo, fenecendo, até se tornar algo tão pequeno que sempre pareceu estar ali. É sempre assim. Os barulhos se espalhavam no ar como pedaços de um morango num liqüidificador e iam se instalar justamente na minha cabeça, enlouquecendo-me. Profecias, promessas, premissas, discursos daqueles que precisavam gritar para não parecerem loucos sozinhos: partilhar a loucura com o mundo e enlouquecê-lo. "Filhos-de-uma-peste", dizia a mulher com poucos dentes e pouca simpatia quando os transeuntes viravam-lhe a cara. Talvez a falta de simpatia fosse ocasionada pela falta de dentes, mas havia naquela expressão e naquele falar-quase-gritando uma mistura de revolta, tristeza e desdém que as pessoas continuavam a não ver e não escutar - se é que não fingiam uma das duas coisas. A cena não foi vista pela primeira vez, nem pela segunda, muito menos pela terceira, mas foi vista pela vez em que eu me envolvi. Foi quando constatei que se pode ficar subnutrido de humanidade, e essa constatação foi triste. O que pintava uma interrogação no entendimento era a contradição. Imensas construções inundadas por dinheiro, que é pra burguês nenhum botar defeito, e a cidade inundada de sujeira, que é pra mendigo nenhum tirar proveito - "êta, globarbarização". De repente, o lugar todo olhou para mim, como se quisesse que eu olhasse para outra direção e focasse minha atenção em alguma coisa feliz, afinal, havia beleza também, por todos os cantos, beleza demais. Na espontaneidade, na descontração, na intenção de inundar uma estação de metrô de linguagem, música e poesia; na capacidade de viver o momento, nas cores das coisas que aconteciam ao mesmo tempo. O batuque acontecendo ali e o comércio barulhento acontecendo lá. Uma despreocupação diferente da anterior, desprovida de qualquer maldade. Arte exposta nos muros, manifestações culturais que falavam por si mesmas. Arte barata, que diverte mas não basta. E arte abstrata, que invade e não maltrata. Era como uma colcha de retalhos de tudo o que se pode chamar de cultura: cada um escolhia a que melhor lhe cobrisse. Não é que tudo ali fosse bonito, mas o que era bonito era tão bonito que fazia o feio se livrar de uma parte da feiúra. E o sorriso se fazia soberano - "a única salvação do ser humano é a alegria".

Um comentário:

Mayara disse...

Os seus textos são LINDOS!
Nossa Renata, parabéns.
Fiquei arrepiada. JURO!
As palavras são suas amigas. E vocês se enlaçam numa sintonia muito bela.
Parabéns!

Beijos

ah, e quem escreve é a Mayara. Aquela, da sua sala de aula. (: