30 de janeiro de 2007

Ferreira Gullar

No mundo há muitas armadilhas e o que é armadilha pode ser refúgio e o que é refúgio pode ser armadilha Tua janela por exemplo aberta para o céu e uma estrela a te dizer que o homem é nada ou a manhã espumando na praia a bater antes de Cabral, antes de Tróia No mundo há muitas armadilhas e muitas bocas a te dizer que a vida é pouca que a vida é louca E por que não a Bomba? te perguntam. Por que não a Bomba para acabar com tudo, já que a vida é louca? Contudo, olhas o teu filho, o bichinho que não sabe que afoito se entranha à vida e quer a vida e busca o sol, a bola, fascinado vê o avião e indaga e indaga A vida é pouca a vida é louca mas não há senão ela. E não te mataste, essa é a verdade. Estás preso à vida como numa jaula. Estamos todos presos nesta jaula que alguém foi o primeiro a ver de fora e nos dizer: é azul. E já o sabíamos, tanto que não te mataste e não vais te matar e agüentarás até o fim. O certo é que nesta jaula há os que têm e os que não têm há os que têm tanto que sozinhos poderiam alimentar a cidade e os que não têm nem para o almoço de hoje A estrela mente o mar sofisma. De fato, o homem está preso à vida e precisa viver o homem tem fome e precisa comer o homem tem filhos e precisa criá-los No mundo há muitas armadilhas e é preciso quebrá-las

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