Era janeiro quando o destino resolveu gargalhar sobre a calmaria de uma família – paradoxalmente, no céu azul-de-doer, o sol cintilava grandes raios de luz por cima daquela insípida manhã de primavera. Os meninos brincavam tranqüilos num pequeno vilarejo de West Virginia, enquanto seus pais trabalhavam para que leite novo pudesse substituir o que já azedava na geladeira. Matt tinha sete anos, disposição de cinco, e naquela tarde distraía-se com os brinquedos de madeira confeccionados pelo avô, que adorava entreter a molecada. Muitos foram os avisos de sua mãe para que ele não ultrapassasse a cerca que separava a fazenda da estrada de asfalto, mas Matt, investido de toda sua astúcia pueril, seguiu em frente cavalgando na madeira em forma de cavalo. Foram dois milésimos de segundo de implacável agonia que marcaram aqueles instantes da vida de Matt. O caminhão seguiu impedioso seu caminho e acertou o menino. Matt era só poeira,fagulhas e destroços: migalhas de um garoto feliz cujo resto era apenas um suéter verde-oliva.
Mas o acidente arrancou somente os membros de Matt, nunca sua vivacidade. Não havia somente fios naquela silhueta juvenil: por trás daquelas fibras e de toda aquela lã, ainda batia um coração. O mundo, porém, não estava pronto para o novo Matt. Na escola, todos o olhavam como se a malha caminhasse sozinha, ignorando a presença ou os sentimentos do incipiente rapaz. Os vizinhos já não o cumprimentavam mais; os colegas deixaram de convidá-lo para as velhas artimanhas de rua; até mesmo suas inocentes paqueras passaram a se afastar, alegando que ele andava esquisito e cheirava a poeira; Matt passou a viver sozinho, chacoalhando-se pelas ruas e se divertindo como podia – como nos dias de chuva, quando as gotas o encharcavam todo e ele podia se torcer, espirrando água para todo lado.
Os pais, apesar do pouco dinheiro e do escasso tempo livre do trabalho, eram só gentilezas: substituíram o shampoo neutro pelo amaciante mais suave, aroma de flores do campo; deixavam Matt secar ao sol por um tempo razoável, sempre preocupados com o perigo de o filho encolher; a qualquer sinal de machucados, linha e agulha erram arrebatadas às pressas do kit de emergência recém-providenciado da mãe. Matt, apesar do que a sua etiqueta indicava, não era muito resistente. O ar seco impregnava poeira em seus poros viscosos, provocando acessos de alergia, ao passo que o clima úmido o gripava facilmente, além de desbotar suas cores, ameaçando anemias inconvenientes. O pai, marinheiro de primeira viagem de filhos feitos de lã, já sacava o ferro de passar roupas ao mais ínfimo vestígio de resfriado, fazendo compressas quentes e massageando longamente o corpo macio do filho, resultando em noites e noites de febres intermináveis. Mas o garoto nem se importava: vivia saltitando e praticando molecagens – como na vez em que se escondeu na gaveta enquanto a mãe enlouquecia à sua procura – desse dia, nunca mais vai esquecer: “três horas pendurado no varal, na sombra, para pensar no que fez”. Matt não gostava do varal, e prendedores de roupa lhe causavam arrepios.
4 comentários:
Rê, adorei o texto. Ele me proporcionou uma mistura de sentimentos, no começo comecei a rir, mas depois me deu uma tristeza. Foi quando me senti sarcástico. Esse é um texto triste e sarcástico!
hahahaha ao contrário do ro, eu fiquei sorrindo o texto todo..por causa do jeitinho que você escreve, que é só seu, e numa história assim, "diferente"! hahaha, ele se torcendo é mto bob esponja!
Muito delicado como tudo o que você faz... Beijos, J.
Ah Re! Que lindo...
ai ai (ps: suspiro!)
Postar um comentário