Tudo o que se diga sobre o primeiro álbum solo de Marcelo Camelo são apenas devaneios e tentativas de definição dos quais o próprio disco quer se esquivar.
Em Sou, Camelo está sozinho, mas é impossível deixar de perceber toda a bagagem hermanística que traz nas costas. Na verdade, o que se percebia já há algum tempo era uma gradação do coletivo para o individual, culminando na transformação da banda em muitos e incríveis trabalhos-solo. Entre a despretensão e a simplicidade, a beleza.
O disco deixa o refinamento musical de lado para se entregar ao sossego das cordas, algo que Camelo deixava que se dispersasse nos Los Hermanos. O que não cabia lá, cabe aqui.
Passeando por cenários musicais completamente distintos, Marcelo se agarra ao melhor de cada estilo para modelar uma harmoniosa colagem que dispensa a mínima classificação. Hultmold, Dominguinhos, Mallu Magalhães e o piano suave de Clara Sverner pontuam a singularidade – e um tanto do estranhamento - de Sou. Cabe o samba quase-frevo deliciosamente tropicalista de Menina Bordada; a poesia musicada de Téo e a Gaivota; a influência folk que incita as azucrinantes e inevitáveis palminhas duplas de Janta; o auge de pulsação que o álbum alcança de Mais Tarde; a latinidade, o batuque e o maracatu em potencial de Vida Doce (!); os assovios mansos que compõem as frases sonoras de Doce Solidão e versões instrumentais das canções mais dormentes do álbum, Passeando e Saudade – em que quase se desconfia que o disco realmente dormiu. Além da inocência de Copacabana permitindo um carnaval fora de época e da releitura das já conhecidas Liberdade e Santa Chuva.
Mergulhamos na recorrência das palavras jogadas nas músicas, que se espalham incitando a certeza de que não estão onde estão por um acaso. Solidão, doçura, saudade. As palavras nos avisam do novo Camelo, que não deixa de ser o de sempre, por carregar a mesma calmaria da voz e por solicitar de quem ouve a mesma (gostosa) paciência requisitada em qualquer um dos discos dos Los Hermanos.
Por um lado, é a exibição completamente nua do estilo de Marcelo Camelo, que, como de costume, não aspira à adoração universal. Por outro lado, mais contextualizado, é uma espécie de anunciação de que algo acabou, mesmo. Sou manda avisar que Marcelo encontrou o espaço para se esticar. O espaço que precisava para ser. Um canto para se reduzir a pés descalços, cabelo desarrumado e camiseta velha e deixar que os dedos suavemente seduzam o violão, sem roubar o espaço dos muitos instrumentos que constroem o disco e dos barulhinhos de fundo conservados das gravações originais. Em Sou, as canções estão de pijamas, mas perfeitamente adequadas para sair e dançar.
O álbum tem mil rostos, que vão se mostrando calmamente a cada pormenor percebido, a cada aumentadinha no volume, a cada acesso de paciência. Sou parece às vezes ter sido feito às pressas, ainda que com o maior sossego. Parecer ter sido entregue a mais minuciosa das mãos – prova disso é a brincadeira concretista de Rodrigo Linhares na arte da capa, que se reflete sem disfarce em todas as músicas – e ao mesmo tempo, não deixa de ter toda a espontaneidade. O clima é tanto de “senta aqui, que hoje eu quero lhe falar” que o disco soa o tempo todo como uma brincadeira. Não por lhe faltar seriedade, mas pela suavidade com que Marcelo Camelo maneja as palavras: carinho para os ouvidos. Entre antíteses e trocadilhos sacanas que são melhores no som do que na letra, alguns lapsos de explicação: “posso estar só, mas sou de todo mundo”. É tanta tranqüilidade que a coisa toda mais parece uma roda de violão no meio de um boteco qualquer que, sem perder o refinamento, responde sutilmente de onde, afinal, é que vem a calma.
16 de setembro de 2008
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Um comentário:
caralho re, vc ta escrevendo muito bem,meu. muito você, seu jeitinho de ouvir e pensar o álbum. toda linda.
ó, pergunta técnica: quantas vezes vc ouviu o cd pra analisá-lo assim?
to ouvindo direto e muitas coisas que vc disse eu nao tinha pensado. mó legal.
ah, faltou falar um pouco do hurtmold tocando, ein? e, portanto, o toque hurtmoldístico em algumas faixas, hahaha
beijo enorme cheio de orgulho imenso da re-volution, q ta mais pra evolution.
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