1968 , Rua Maria Antônia, prédio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. A porta da sala de aula é aberta como se tivesse levado um coice e aparecem três soldados armados com metralhadoras. Diante de 200 alunos, a professora de Ciências Sociais, Jessita Nogueira Moutinho, de 24 anos, encara bem os soldados e, com voz firme, pergunta:
- Vocês são meus alunos?
-Não, mas é que estamos procurando uma pessoa e...
-Isto aqui é uma sala de aula e aqui dentro só ficam o professor e alunos. De maneira que vocês podem se retirar. Se vocês querem pegar alguém não será em minha aula. Com licença, por favor.
A professora indica a porta, os soldados saem e esperam do lado de fora. Quando a aula termina, os soldados entram de novo, mas o tal aluno, claro, já estava longe.
No início de 1970, Chico volta ao Brasil em meio a um estardalhaço (organizado por recomendação de Vinícius), que incluía especial para a Globo, show no Sucata e o lançamento do LP Chico Buarque Vol 4. Mas o Brasil não era aquele descrito nas cartas de André Midani. A tortura e desaparecimento de pessoas contrárias ao regime do general Médici eram uma constante. O ufanismo do ditador ("Ninguém segura este país") aderia aos carros ("Brasil, ame-o ou deixe-o", quando não "Ame-o, ou morra!"), e a algumas canções populares ("Ninguém segura a juventude do Brasil"), tudo isso no ano que a seleção canarinho conquistaria o tricampeonato mundial. Chico fez "com os nervos mesmo" Apesar de você e enviou para a censura certo de que não passaria. Passou. O compacto com Desalento e Apesar de você atingia a marca de 100 mil cópias quando um jornal insinuou que a música era uma homenagem ao presidente Médici. A gravadora foi invadida, as cópias destruídas. Num interrogatório quiseram saber de Chico quem era o VOCÊ: "É uma mulher muito mandona, autoritária", disse ele.
(Muito bom, Chico! Muito bom.)
Juntos, viram o homem pisar pela primeira vez na Lua, em julho de 1969. À distância, acompanharam o surgimento da luta armada no Brasil, o primeiro seqüestro de um embaixador estrangeiro para obter a libertação de prisioneiros políticos, o dramático esfarinhamento da esquerda brasileira em miríades de grupúsculos. Em novembro, Toquinho resolveu voltar. No último dia, foi ao apartamento de Chico e lhe mostrou um samba ainda sem letra. Só então teve coragem de contar que estava partindo. "Fiz essa música de saudade mesmo", disse, "vou embora amanhã". Era o Samba de Orly, com todo aquele clima de exílio, de impossibilidade. Toquinho conta que Chico fez na hora os versos finais:
E diz como é que anda aquela vida à toa e se puder me manda uma notícia boa
Bem depois, quando estava preparando o LP Construção, Chico convidou Vinícius para ajudar na letra. Três dos versos que o poeta escreveu:
pede perdão pela omissão um tanto forçada...
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