30 de dezembro de 2006

Que as músicas toquem, que os corações amem, que as mãos abracem, que os ouvidos escutem, que a bebida não esquente na mesa, que palavras não sejam ditas em vão, que os átomos continuem indivisíveis, que os homens criem nova consciência, que a camada de ozônio seja preservada, que as geleiras continuem onde estão, que o sistema solar ganhe mais personagens, que Chico continue cantando, que Gullar escreva, que as segundas-feiras sejam breves, que a felicidade não caiba, que os olhares sejam profundos, que os sorrisos sejam verdadeiros, que novos temperos sejam inventados, que os jornais digam a verdade, que Heloisa Helena compre roupas, que se extingua a estupidez, que a primavera mude as coisas, que a ternura seja muita, que as contas sejam poucas, que digamos mais "bom dia", que caminhos se cruzem, que bocas se encontrem, que a fome não seja muita, que a sensibilidade não seja pouca, que poesias emocionem, que a chuva caia, que o sol se ponha, que a beleza exista, que seja doce. Que assim seja. Um brinde aos 365 novos dias que dizem "olá". Em outras palavras: "Mash-ups, tecnologias, festas, cervejas, discos, jazz, indie rock, soul brasileiro, escritos tortos, amigos, Semana 3 cinco anos (vamo aí, Carlos, agitar uma parada relativa), panamericano no Rio,noites em claro, viagens, começos, canções sem fim, filmes deslumbrantes, Vila Madalena, exposições, economia neoliberal pro buraco, desenvolvimentismo pra trouxa vindo à tona, libertadores, paulista com final, don't stop the music, noites fora de casa, noites em casa, livros, teatro, poesia, vinho, nouvelle vague japonesa, van morrison, são paulo futebol clube, caixas de som, sorrisos, risadas, pulos em mar, rios que passam em meio a vidas, samba, dance dance dance, cidade universitária, studio sp, mãos para cima sem ser assalto, união, saúde, tardes com leseira, preguiça esporte clube (só para variar um pouquinho), Cat Empire, shows, Radiohead, KILO (eu vou Zé, eu vou), mesas de bares, franz café de fim de noite, champions league, walter lima jr, tim festival. ufa. e isso é só 10%. Vem, 2007. Vem. Que seja bom pra todo mundo." De alguém modesto demais para admitir que isto teve o pingo no i de poesia. Né, Ric? http://partidabr.blogspot.com/

21 de dezembro de 2006

Se aquela rua, se aquela rua fosse minha, eu mandava ladrilhar com pedrinhas de brilhante e gravar numa lembrança fotográfica. Ah, se mandava. ... !

Simpatia não é nada banal, dá dizia Casimiro de Abreu.

Simpatia - é o sentimento Que nasce num só momento, Sincero, no coração; São dois olhares acesos Bem juntos, unidos, presos Numa mágica atração. Simpatia - são dois galhos Banhados de bons orvalhos Nas mangueiras do jardim; Bem longe às vezes nascidos, Mas que se juntam crescidos E que se abraçam por fim. São duas almas bem gêmeas Que riem no mesmo riso, Que choram nos mesmos ais; São vozes de dois amantes, Duas liras semelhantes, Ou dois poemas iguais. Simpatia - meu anjinho, É o canto de passarinho, É o doce aroma da flor; São nuvens dum céu d'agosto É o que m'inspira teu rosto... - Simpatia - é quase amor!

20 de dezembro de 2006

Sensibilidade.

Meu lado nerd convicto pede licença para transferir pra cá um texto do vestibular da Unesp deste ano, que achei de uma sensibilidade! Tão rara que chega a doer. Me afetou. Érico Veríssimo, Incidente em Antares, 1974:
"Fez um novo silêncio. De fora vinham vozes humanas. De vez em quando se ouvia o zumbido do elevador do hospital. Tombou uma pétala de uma das rosas. Quitéria soltou um suspiro. Zózimo agora parecia adormecido. Tibério pensou em Cleo com uma saudade tátil. - Neste quarto, Tibé - disse Quitéria - dentro destas quatro paredes, nós temos falado em assuntos em que nunca tínhamos tocado antes. Nossa morte, por exemplo... - Pois não lhes gabo o gosto - resmungou Tibério. - Tibé, tens fama de valente. Vives contando bravatas, proezas em revolucões e duelos...patacoadas! No entanto, tens medo de pensar na tua morte, tens horror a encarar a realidade. - Tirou os óculos, limpou-lhes as lentes com um lencinho, e depois prosseguiu: - Que esperas mais da vida? Os nossos filhos estão criados, não precisam mais de nós. Mais que isso: não querem saber de nós, de nossas idéias, de nossas manias, de nossa maneira de pensar e viver. Acho que todo homem vê sua cara todas as manhãs no espelho, na hora de se barbear. Que é que o espelho diz? Diz que o tempo passa sem parar. E que essas manchas que a gente tem no rosto (tu, eu, todos os que chegam à nossa idade), essas manchas pardas são bilhetinhos que a vida escreve na nossa pele. Eu leio todos os dias esses recados, mas tu, Tibé, tu és analfabeto ou então te fazes de desentendido."
E então eu fiquei com essa idéia de "saudade tátil" na cabeça, não sai mais.

11 de dezembro de 2006

Café e bobagem.

Tem dias que a gente senta e toma coragem Tem dias que a gente senta e toma uma cerveja Tem dias que a gente senta e toma uma decisão Tem dias que a gente senta e toma um tapa na cara Tem dias que a gente senta e toma qualquer coisa... Olho para baixo, e você no meu café.

1 kg de sentimento não-perecível

Foto: Guimarães Rosa, O grande sertão: veredas (Estação da Luz) Definições pra cá Definições pra lá E eu que só queria um lugarzinho pra me encostar Desses aconchegantes, acolhedores Como abraço com cheiro de banho Me recolhe pra dentro De onde quer que seja E me conta de você Mesmo que não seja interessante Nem sempre podemos ser interessantes Na maior parte do tempo nos resumimos a um ser de saco-cheio, cansado, querendo explodir, ou querendo um lugar Pra se encostar... "O melhor está nas entrelinhas" Acredito nisso Engoli essas palavras e vomitei-as em forma de certeza Certeza de que é assim, é simples. Não precisa ser de outro jeito Mas as definições gritam! Definições inteligentes, profundas, retóricas A vida dispensa a metafísica? Mas se o amor fosse comparado a coisas desse mundo teimoso Trataria de definí-lo como algo bem pragmático, que é pra perder a graça E eu parar de querer definí-lo Logo eu, que sempre carrego grandes quantias Nunca me dão troco E eu saio só com o sorriso amarelo E com uma mão na frente, e a outra atrás. Essa bobagem não satisfaz Não falo de coisa muito séria, não Aquela coisa que põe aliança e apresenta para os tios Não. Apresenta para a alma, que já fica tudo bem. Procuro doçura nos potes de açúcar - adoçante não, obrigada. Com a acidez da vida a gente se entende Adoça daqui, adoça de lá E eu que só queria um lugarzinho pra me encostar.

4 de dezembro de 2006

Quanto nos lembramos das pessoas? Da primeira impressão? Uma ou outra coisa que ouvimos, é assim como guardamos as caras, sempre caladas. Mas é incrível como reconhecemos uma expressão. A memória embaça, as caras perdem linhas e contornos, mas existe uma coisa que não tem nome, não tem forma, e a isso chamo expressão. Quando eu digo que não confio em retrato é porque o momento registrado é tão irreal quanto o tempo (e se o tempo não pára...), e tão irreal quanto o fato da pessoa que registra a foto não sai no momento. Talvez aí esteja a graça. Gosto demais de fotografia, sou totalmente suspeita para opinar. Mas e você, como gostaria de se lembrar de alguém?
Vida: qualquer coisa diferente de obrigação. "Ah, isto é que é vida", dizem as pessoas quando saem de férias... Esperando pra poder dizer isso, e com um enorme sorriso no rosto! "Se não gostar de ler, como vai gostar de escrever? Escreva por algum motivo, mas o faça. Ou escreva só para destruir o texto, mas alimente-se. Fartamente. Depois vomite, se quiser."
Outro entre os tantos que traduzem os meus deliriozinhos internos, da série "Arrumar pastas pode te fazer redescobrir coisas interessantes": Carlos Drummond de Andrade: "O que a gente procura muito e sempre não é isto nem aquilo. É outra coisa. Se me perguntam que coisa é essa, não respondo, porque não é da conta de ninguém o que estou procurando. Mesmo que quisesse responder, eu não podia. Não sei o que procuro. Deve ser por isso mesmo que procuro. Me chamam de bobo porque vivo olhando aqui e ali, nos ninhos, nos caramujos, nas panelas, nas folhas de bananeira, nas gretas do muro, nos espaços vazios. Até agora não encontrei nada. Ou, encontrei coisas que não eram a coisa procurada sem saber, e desejada. Meu irmão diz que não tenho mesmo jeito, porque não sinto o prazer dos outros na água do açude, na comida, na manja, e procuro inventar um prazer que ninguém sentiu ainda. Ele tem experiência de mato e de cidade, sabe explorar os mundos, as horas. Eu tropeço no possível, e não desisto de fazer a descoberta do que tem dentro da casca do impossível. Um dia descubro. Vai ser fácil, existente, de pegar na mão e sentir. Não sei o que é. Não imagino forma, cor, tamanho. Neste dia vou rir de todos. Ou não. A coisa que me espera, não poderei mostrar a ninguém. Há de ser invisível para todo mundo, menos para mim, que de tanto procurar fiquei com merecimento de achar e direito de esconder."