Meu lado nerd convicto pede licença para transferir pra cá um texto do vestibular da Unesp deste ano, que achei de uma sensibilidade! Tão rara que chega a doer. Me afetou.
Érico Veríssimo, Incidente em Antares, 1974:
"Fez um novo silêncio. De fora vinham vozes humanas. De vez em quando se ouvia o zumbido do elevador do hospital. Tombou uma pétala de uma das rosas. Quitéria soltou um suspiro. Zózimo agora parecia adormecido. Tibério pensou em Cleo com uma saudade tátil.
- Neste quarto, Tibé - disse Quitéria - dentro destas quatro paredes, nós temos falado em assuntos em que nunca tínhamos tocado antes. Nossa morte, por exemplo...
- Pois não lhes gabo o gosto - resmungou Tibério.
- Tibé, tens fama de valente. Vives contando bravatas, proezas em revolucões e duelos...patacoadas! No entanto, tens medo de pensar na tua morte, tens horror a encarar a realidade. - Tirou os óculos, limpou-lhes as lentes com um lencinho, e depois prosseguiu: - Que esperas mais da vida? Os nossos filhos estão criados, não precisam mais de nós. Mais que isso: não querem saber de nós, de nossas idéias, de nossas manias, de nossa maneira de pensar e viver. Acho que todo homem vê sua cara todas as manhãs no espelho, na hora de se barbear. Que é que o espelho diz? Diz que o tempo passa sem parar. E que essas manchas que a gente tem no rosto (tu, eu, todos os que chegam à nossa idade), essas manchas pardas são bilhetinhos que a vida escreve na nossa pele. Eu leio todos os dias esses recados, mas tu, Tibé, tu és analfabeto ou então te fazes de desentendido."
E então eu fiquei com essa idéia de "saudade tátil" na cabeça, não sai mais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário