Murais sempre me surpreendem, ainda que só olhe para eles como quem quer descansar os olhos da função maçante de olhar apenas para frente: a velha tirania do “olhe para frente de cabeça erguida”. Olho para o lado apenas, e encontro um mundo de possibilidades a me tentarem. Um mural, qualquer que seja, é uma grande via de sedução com conotação quase sexual. Diferentes papéis, fontes e cores se estapeiam por um minuto do olhar dos transeuntes, numa luta que, bem sabemos, só será ganha quando alguém se render aos encantos de algum aviso e parar para analisá-lo longamente. Os cartazes grifados a cores gritantes, os post-it desperdiçados à exaustão, a disputa muda pelo mais atrativo comunicado, pelo canto superior esquerdo, pela cola invencível ou por uma taxinha minimamente eficaz. Os murais são dóceis, aceitam qualquer coisa que se queira colocar. O pedido misericordioso de uma mãe que perdeu o filho, um aviso de liquidação de móveis velhos, a mudança de data do próximo encontro dos Alcoólicos Anônimos, profecias sobre a volta de Jesus Cristo e até mesmo o aviso de que, cordialmente e em letras garrafais, “troca-se um fogão velho por uma bola de capotão” (mural na moradia da Unicamp, 2006).
1 de junho de 2009
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