4 de setembro de 2008

tão Zé

"Danç-eh-sá Ao Vivo" - o álbum que celebra o fim da canção como possibilidade artística.

Ícone das invencionices musicais, Tom Zé nos ensina com quantas rugas se faz uma vontade de inovar. O disco é uma continuação de “Dança dos herdeiros do sacrifício”, de 2006. Na releitura - se é que chamá-lo assim não é reduzi-lo a muito menos do que ele é - presenciamos a transformação das antigas canções e a valorização da música despida de letras. É a nudez das músicas bem comportadas. A partir das raízes brasileiras na cultura africana, o nosso baiano de Irará constrói a possibilidade de uma canção ser feita apenas com sons. Por isso, neste disco, o lirismo dá espaço para barulhinhos, onomatopéias e interjeições. Mas sem deixar que uma música assim tão sintética seja tomada pela plasticidade. Aqui, quem guia a cadência são os tambores, percussões e os neologismos embrulhados na voz firme de Tom Zé. Como ele mesmo diz, "é a falência do dicionário, a esculhambação dos verbetes". A idéia surgiu a partir de uma pesquisa que a MTV fez em 2005, que apontava a obsessão dos jovens pelo hedonismo, consumismo e a música eletrônica. Por isso, o álbum nasce como um convite para um diálogo. É uma rememorização constante de onde viemos. A afirmação invariável de que somos uma mistura de povos. E mesmo que Tom Zé não seja um artista engajado (ô palavrinha feia) ele quer mostrar para os jovens a responsabilidade que eles têm num país de origens tão lutadoras. Cada título do CD tem o nome de uma revolta que conta a história dos escravos e antigos povos revolucionários brasileiros, como Revolta Queto-Xambá ou Revolta Malê. É uma tentativa de narrar a História do Brasil apenas com sons. Tom Zé, ao mesmo tempo prosaico e inventivo, evoca o astronauta libertário que criou em “2001” para percorrer o panorama da música digital influenciada pela tecnologia. Ele invade, então, o território que lhe era estranho: a internet. Quando perguntam sobre tal experiência, ele responde: “sinto-me como se saísse da Idade Média diretamente para uma estação orbital, como no filme de Kubrick". Atento, ele conhece os efeitos da passagem do tempo na música. Se o disco celebra o fim da canção, Tom Zé mostra que todo fim significa a possibilidade de um outro começo. Assim, a canção, tal como nos foi apresentada até então, acaba, mas se reinventa como sinal dos novos tempos. As letras das suas canções têm o começo geralmente pautado na poesia concreta. Aqui, no entanto, o cantor anula o intermédio das palavras e vai direto para o concretismo sonoro. Uma ilustração disso é a faixa Triu-Trii, que pelo excesso de similaridades sonoras, parece mais um exercício de fonoaudiologia. É a habilidade com os intrumentos convencionais e o engenho para tirar som de liquidificadores, máquinas de escrever, rádios, enceradeiras e garrafas que fazem de Tom Zé o louco mais sensato da música brasileira. Mesmo que para muitos este álbum pareça somente o barulho gritante de um velho decrépito, as onomatopéias de Tom Zé ultrapassam a etimologia medíocre para dizer muito mais que as palavras. Cada uma das 8 faixas do CD são divididas em três momentos: “viver”, “sofrer” e “revoltar”, uma referência ao Eclesiastes bíblico, espécie de compreensão do ritmo da existência. Tom Zé mostra que toda mudança é dialética: uma coisa deve sumir para que outra apareça, daí a importância de entendermos todos os tempos. Além disso, o próprio título do disco não economiza ironia para mostrar que para bom entendedor, mei pala bas. Esse disco chuta a repetição e aniquila o mais do mesmo. É Tom Zé, novamente novo, como sempre.

(matéria para Revista Ponto e Vírgula da Web-Rádio Virtual/Unesp, programa Sintonia)

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